Histórico das tentativas de modificar o Plano Diretor

Qual é a história das tentativas de mudança do Plano Diretor visando a urbanização da Fazenda do Arado?

Em 2011 a empresa Arado Empreendimentos Imobiliários adquiriu as áreas que compõem os 426 hectares da chamada Fazenda do Arado, Fazenda do Arado Velho ou Fazenda Haras do Arado, localizada às margens do rio Guaíba no bairro Belém Novo, integrante da região Extremo Sul da capital riograndense.

A Fazenda do Arado é amplamente reconhecida na região. É cenário vivo da ocupação de povos originários (Mbya Guarani). Desde o período pré-colonial (comprovada por diversos estudos) até a retomada Yjerê do Arado Velho de 2018, que demanda a demarcação da área como terra indígena.


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Existe ainda uma profunda relação entre os atuais moradores de Belém Novo e os primeiros habitantes da região da Fazenda do Arado. Seja pelo antigo hábito de frequentar os campos e praias do Arado, seja pela proximidade e vínculo entre as famílias que residiam no Arado e ainda residem no bairro ou pela origem ligada à pesca. Em outro momento, o marco referencial é ligado ao propritário de diversas áreas que passarão a compôr a Fazenda do Arado, o Sr. Breno Caldas. O então proprietário do jornal Correio do Povo conservou e desenvolveu o local nos moldes de uma propriedade rural, desempenhando suas funções sociais e econômicas alinhadas à realidade da região com o implemento de produção de arroz, criação de cavalos de raça no reconhecido Haras do Arado, criação de vacas leiteiras/tambo, criação de animais como gado e ovelhas, além de possuir uma marina

Ocorre que a nova empresa proprietária da Fazenda do Arado tem outros planos para aquele vasto território de patrimônio histórico, paisagístico, arqueológico e ambiental inigualável. O objetivo da empresa é lotear e urbanizar a Fazenda do Arado, além de almejar a ampliação da condição de lotear a área em comparação com o que o atual regramento já autoriza, ou seja, quer poder fazer mais lotes dentro da mesma área!

Para isso, portanto, a empresa Arado Empreendimentos necessita alterar as regras da cidade uma vez que o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) não autoriza a intervenção por ela pretendida.

A primeira tentativa de alterar o regime urbanístico da Fazenda do Arado se concretizou no ano de 2015 por meio do Projeto de Lei Complementar do Executivo, o PLCE 005/2015. Apesar de aprovada pela Câmara Municipal, o PLCE 005/2015 ou Lei Complementar 780/2015 foi questionada pela sociedade civil, tendo o MPRS ingressado com Ação Civil Pública. Por decisão liminar a Justiça suspendeu os efeitos da referida lei em razão da ausência de participação popular em sua fase propositiva. Na sequência, a decisão provisória foi confirmada em sentença, declarando ilegal todo o processo legislativo que levou à edição da Lei Complementar 780/2015.

De forma concomitante os apontamentos técnicos de falhas e omissões (no Estudo de Impacto Ambiental elaborado pelo empreendedor em 2012) que foram apresentados pelos grupos da sociedade civil, eram investigados pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul e Polícia Civil.

Em novembro de 2020, uma nova iniciativa surge na Câmara de Vereadores através do Projeto de Lei Complementar do Legislativo, o PLCL 016/2020, de autoria do então vereador Wambert di Lorenzo. O PLCL 016/2020 era de fato uma simples cópia da LC 780/2015 que, com rápida tramitação, foi aprovado pela Câmara Municipal. Ocorre que em 05.03.2021 o prefeito Sebastião Melo vetou integralmente o projeto sob o argumento de que alterar as regras urbanísticas é prerrogativa do Poder Executivo (portanto o PLCL 016/2020 é caso de proposição legislativa com vício de iniciativa), tendo como base seus próprios estudos técnicos.

Recentemente, o Poder Executivo reafirmou sua forte intenção de atender a demanda da empresa proprietária da Fazenda do Arado. Promoveu audiência pública (12 e 13 de agosto de 2021) para apresentar sua antiga vontade e dar o direito de fala à população, porém ignorou todas as manifestações (orais e por escrito) com olhar diverso daquele objetivado pelos proprietários da área e pela prefeitura. O Executivo Municipal desconsiderou inúmeras questões que deveriam impedir a iniciativa de modificar o regime urbanístico da Fazenda para permitir a urbanização de uma das últimas áreas ambientalmente e culturalmente qualificadas da cidade.

Em 28.09.2021, através do ofício 2399/GP, o prefeito Sebastião Melo enviou o Projeto de Lei Complementar do Executivo, PLCE 024/21 com vistas a alterar especificamente o regime urbanístico da fazenda, modificando limites, criando e excluindo subunidades de estruturação urbana, objetivando ao final ampliar a possibilidade de parcelamento do solo. Onde hoje o Plano Diretor já permite 1.323 unidades, a prefeitura pretende autorizar até 2.353 lotes, estimando um aumento populacional de 70% no bairro Belém Novo.

Pontuamos questões que exigem extrema atenção além de uma atuação transparente, democrática, lisa e comprometida por parte dos diversos órgãos do Poder Público Municipal, Estadual e Federal na condução dos debates inerentes aos rumos da Fazenda do Arado, objetivando sempre acolher e alcançar os diversos interesses coletivos para concretização dos direitos difusos ao ambiente sadio e equilibrado como preconiza a Constituição Federal, dentre eles:

  • a conclusão do Inquérito Policial que, com base em laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), apontou que o estudo de Impacto Ambiental elaborado pela empresa proprietária da Fazenda do Arado é falso, omisso e incompleto;
  • a existência de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal para que a União e a FUNAI promovam os estudos antropológicos na área da Fazenda do Arado para identificação, delimitação e demarcação de possível terra indígena Guarani (inquérito civil junto ao MPF/RS sob o nº 1.29.000.000771/2018-61, Ação Civil Pública nº 5041487-86.2019.4.04.7100 e Agravo de Instrumento nº 5002883-79.2020.4.04.000/RS);
  • a existência de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (nº 5107966- 40.2021.8.21.0001) postulando que a Câmara Municipal de Porto Alegre se abstenha de prosseguir no trâmite do Projeto de Lei Complementar (PLCE 024/2021), a fim de que sejam elaborados todos os estudos, diagnósticos técnicos e debates sobre a alteração do perímetro e do regime urbanístico por ocasião da Revisão do PDDUA;
  • a necessidade de avaliar o projeto para a Fazenda do Arado dentro do processo de revisão do Plano Diretor, com base em estudos técnicos aprofundados e elaborados pelo próprio Executivo, respeitando o planejamento integrado com o restante do território e da cidade;
  • a omissão do Executivo ao deixar de indicar no PLCE 024/2021 áreas para habitação de interesse social;
  • a omissão do Executivo ao deixar de indicar no PLCE critérios técnicos para estabelecer contrapartidas urbanísticas;
  • a necessária avaliação da proposta popular para criação de uma unidade de conservação, um Parque Natural na Fazenda do Arado como forma de resguardar o patrimônio natural, histórico e cultural de Porto Alegre, em especial da Zona Sul.